A véspera..

Enquanto sou embalado pelo movimento suave,
o sol rasga pela janela,
ilumina até aquilo que não queres.

Vejo-te pela primeira vez,
neste sol,
a tua pele brilha,
vejo tudo aquilo que te faz (im)perfeita.

As imperfeições, as perfeições,
os teus sinais, as tuas rugas,
os teus lábios semi-pintados.

Analiso todos os pormenores,
todos, não me escapa nenhum,
reanaliso todos os pormenores,
fecho os olhos e tento lembrar-me.

Conto todos os detalhes,
um, dois, três..
Volto a contá-los,
um, dois, três..

Agora não preciso, estás aqui.
Quando estiver sozinho,
vou fechar os olhos,
e vou imaginar-te,
exactamente na mesma posição,
com o mesmo olhar,
com os mesmo trejeitos.

Tento não perder nada,
é difícil, o ruído à volta,
torna-se ensurdecedor,
mas resisto.

Através dos discos de vidro,
uma pequena ilha preta,
nada num mar castanho,
o canto está lacrimejado,
não me questiono, percebo.

Não sei se é do sol,
se é de tudo o resto,
mas percebo.

O olhar prolonga-se,
percebes que estás a ser observada,
incomoda-te tanto,
que passas a mão pelo cabelo,
numa tentativa de afugentar o olhar,
baixas a cara, tentando ignorar,
eu não consigo parar.

És frágil, mas não o mostras,
sempre o lado duro
e não te abres.

Tento pensar em algo inteligente para dizer,
não consigo, estou ofuscado,
pelo quê não sei!

Talvez pelo sonho,
talvez pela realidade.
Quero sentir os teus dedos esguios nos meus,
ensaio umas quantas vezes,
mas não consigo, algo me retrai.

Oiço no fundo da minha cabeça:
“You should feel what I feel
You should take what I tell you”.

Os teus lábios,
tão tenros, tão rosa,
como é que serão junto dos meus?

Raras as vezes que sou coerente,
eu nunca digo exactamente o que quero dizer,
e nunca o que eu quero dizer é exactamente aquilo que eu digo.

Acordar – Parte 2

Saímos para ir tomar o pequeno almoço, vamos à Confeitaria Marquês do Pombal, enquanto comemos, dizes-me: “Amanhã ao final da tarde vou para o Porto para me despedir da minha mãe, e na semana seguinte para os EUA.” Não acredito, penso eu enquanto espero pelo sorriso na tua face, mas esse não aparece, tiro-te o cabelo dos olhos e olho-te nos olhos, é verdade, é tudo verdade, vais-te embora. Abraço-te com toda a força que me é permitida, beijo-te como se amanhã fosse o último dia da minha vida. Vou para o trabalho, voo para a Costa da Caparica, cabeça completamente no ar, não consigo fazer nada, só consigo pensar que me vais deixar, sim sou egoísta, não te quero deixar ir.

Sou obrigado a sair tarde do trabalho, vou a casa trocar de roupa e reencontro-me contigo, os sorrisos são esbatidos, a minha cabeça anda à roda. Não pedimos a Guinness em uníssono, a empregada já não sorri, mas as mãos agarram-se ainda com mais força, jantamos e vamos cedo para tua casa, digo-te baixinho antes de adormeceres: “Fica…”, tu respondes, “Não posso…”, porquê pergunto eu, ao que tu dizes: “Porque sim, isto começou, mas tudo o resto acabou.”

Durmo 2 horas, e quando acordo, estás tu a olhar para mim, visto-me e antes de sair dou-te um beijo prolongado, pedes para eu ficar, não posso já estou atrasado, e se quero despedir-me de ti, tenho de ir já para a Costa. Passo o dia bater linhas de código tortas. E acabo por chegar atrasado a Santa Apolónia, chego apenas a tempo de te ver pela janela enquanto o comboio arranca, juntamos as mãos pelo vidro, enquanto o comboio sai da linha 2. Ligo-te imediatamente e despeço-me de vez de ti. Uma lágrima corre-te pelo olho, disseste-me ontem que querias uma recordação minha, mas eu não tinha nada para te dar a não ser aquele bilhete de há tantos anos atrás, tiraste-mo de manhã sem eu dar conta.

Passa o resto da semana e não durmo, chega o dia de apanhares o avião, pedi o dia de férias, meto-me no carro e faço a viagem até ao Porto como se Lisboa estivesse a arder, no dia antes comprei uma prenda para te recordares de mim, vou até ao aeroporto, chego cedo com medo de te perder, o teu avião só parte à hora de almoço, fumo para passar o tempo, ligo-te finalmente e vou ter contigo, tomo-te de assalto, lábios nos lábios, olhos nos olhos, um abraço sem fim. A tua mãe espanta-se, e apresentas-me, peço desculpa e ela abana a cabeça num sinal de aprovação, viro-me e digo-te: “Quero fazer uma troca, o bilhete por isto.”, sorris, e com uma lágrima a escorrer-te dos olhos aceitas, beijamos-nos outra vez e o bilhete volta são e salvo volta à carteira. Despedes-te de mim em último, e deixo-te finalmente ir.

Passado um mês recebo um email teu, nada mais do que uma fotografia da tua mão com a prenda, e a frase: “Nunca irei esquecer.”, tiro uma fotografia do bilhete e envio-ta com a seguinte resposta: “Eu também não.” foi a última vez que falámos.

Ainda hoje não me esqueço do teu perfume, sempre que o sinto no ar, paro e olho em volta com a esperança que sejas tu. E todas as vezes sou desiludido pelo meu olhar.

Fim

Uma pequena experiência que decidi fazer, muita ficção, com uns pós de verdade.