Acordo, sinto o leve cheiro a mofo no sótão, o peso das mantas pesa-me no corpo.
Um tímido raio de sol entra pela janela pequena que não oferece vista alguma. Deixo-me estar deitado e espreguiço-me… embriagado de sono, perco-me nos meus pensamentos..
Levanto a cabeça e olho em redor, nem viva alma, viro-me para o outro lado, e tento aproveitar mais uns minutos de sono… Oiço passos ao longe, conversa e galhofa… e deixo-me só com os meus pensamentos e letárgico e de olhos fechados…
Meio acordado, meio a dormir oiço barulho.. abro os olhos e espreito pelas mantas, o tímido raio de sol cega-me ligeiramente, vejo apenas uma figura alta que se dobra em torno da roupa, foco e fecho os olhos a medo, e até de respirar paro, tentando ficar o mais imóvel possível debaixo das pesadas mantas.
Tento ficar imóvel enquanto espreito por entre as mantas, e não vejo mais que o perfil e uma t-shirt a passar pela cabeça, foco-me nas feições, o nariz de tamanho perfeito, o queixo enquadrado, as sobrancelhas perfeitas, cabelo apanhado(?), e os lábios rosados acabados de acordar. Tento não racionalizar o que vejo, para não sentir culpa de ver o ser profundo, o ser a nu… analiso os pormenores do ajeitar, preparar e compor e ficar ainda mais bela como se nada fosse…
O tempo abranda, todos os movimentos perfeitamente sincronizados, o rodar do braço enquanto passas a mão pelo cabelo, pelo corpo a ajeitar as rugas deixadas pela roupa, uma perna esticada e a outra ligeiramente dobrada, o peito a encher-se de ar e de seguida a esvaziar, tudo o resto desaparece de cena. Verificas os últimos pormenores, o olhar para o espelho para a confirmação que tudo está onde deveria estar…
Fecho os olhos, e tento lembrar-me de tudo, para gravar de vez na minha memória todos os movimentos, todo o bailado e sinfonia envolvido no ritual, sinto-me envergonhado, vi algo belo mas que era proibido, mas como é que algo tão belo não pode ser permitido? Sinto-me culpado! Mas não consegui deixar de observar o ritual, de ver os pormenores que te tornam ainda mais bela.
Volto a abrir os olhos e estás sentada na ponta da tua cama, finjo que acordo e digo bom dia…
Um bem haja a todos..